Os Estudos Culturais e a Cultura Digital

A partir do século XX, explica Stuart Hall (1997, apud HEINSFELD, 2017, p. 5), principal expoente dos Estudos Culturais, passou-se a viver uma revolução cultural, a mídia assumindo singular importância no que diz respeito à organização da sociedade moderna tardia, como uma condição constitutiva da vida social. Nas palavras de Hall (1997, p. 4): “a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica no novo milênio”. Através da revolução tecnológica, expandiu-se também a circulação e a troca cultural. Pode-se dizer que não há mais uma identidade somente local, objetivada, sem quaisquer relações com o global. Entende-se, ainda, que uma cultura “global”, fundamentada na difusão e homogeneização dos valores ocidentais pelo mundo inteiro, necessita também das diferenças locais para que possa prosperar. Com isso, o conceito de cultura incorpora novas possibilidades, sendo declinado em sua flexão plural e adjetivada, culturas (COSTA et al., 2003, apud HEINSFELD, 2017, p. 5).  A cultura unificada e hegemônica toma a forma de novas identificações heterogêneas e adaptações localizadas, de hibridismos que sintetizam elementos de culturas múltiplas, não se limitando ou se reduzindo a nenhuma delas. Posto isto, torna-se mandatório compreender que revoluções culturais globais causam impacto sobre os modos de viver, seus sentidos e ressignificações, aspirações e mesmo sobre culturas locais, e que geram, como frutos, mudanças sociais e deslocamentos culturais.

Os Estudos Culturais buscam a compreensão dos processos de comunicação que influenciam essas mudanças, entendendo o receptor não como sujeito passivo, mas como agente nesse processo social, sendo a recepção dos produtos da mídia variável de acordo com a percepção singular do indivíduo. Procuram diferenciar os conceitos de padronização e homogeneização cultural, valorizando as possibilidades de interpretação local que os sujeitos fazem dos produtos e das mensagens veiculadas pelas mídias. Dessa forma, a abordagem dos Estudos Culturais afasta-se do pensamento sobre o caráter homogeneizador e manipulador das mídias, abrindo espaço para as contradições sociais e para os conflitos culturais potencializados pelas tecnologias digitais (TERUYA, 2009, apud HEINSFELD, 2017, p. 5).

Uma vez que os Estudos Culturais têm o compromisso de analisar a relação entre a mídia e os outros aspectos culturais da sociedade contemporânea, a partir dos anos 1990 e com a profusão das tecnologias digitais, esses estudos passaram a investigar também demais assuntos vinculados à tecnologia, especialmente em função da internet. Nessa perspectiva, considera-se que tanto o uso quanto a apropriação das tecnologias digitais são, antes de tudo, produções culturais de determinada sociedade e seu caráter histórico, sendo as tecnologias elementos centrais da produção e reprodução de cultura. Assim, frente à hipótese da existência de uma cultura específica advinda da presença dos meios eletrônicos na sociedade atual, uma cultura digital, “o termo digital estaria representando uma forma particular de vida de um grupo ou de grupos de sujeitos em um determinado período da história” (BORTOLAZZO, 2016, p. 11, apud HEINSFELD, 2017, p. 6). Sendo a cultura digital pensada como um marcador cultural, que envolve tanto os artefatos digitais quanto sistemas de significação e comunicação distintos, capazes de descrever o modo de vida contemporâneo.

Partindo da centralidade da cultura, Hall (1997, apud HEINSFELD, 2017, p. 6) pontua que são duas as dimensões da cultura: a substantiva e a epistemológica. A dimensão substantiva diz respeito ao lugar da cultura na organização das atividades sociais e suas relações culturais e institucionais, ou seja, é a declinação empírica e concreta de todos os aspectos culturais de uma dada sociedade em uma determinada localidade geográfica e momento histórico. Por outro lado, a dimensão epistemológica diz respeito aos modos como a cultura é utilizada para transformar nossa compreensão e explicação para os fenômenos do mundo. Trata-se do “filtro”, constituído por modelos teóricos e códigos de significado, que aplicamos a uma realidade sócio histórica determinada, para podermos interpretar os eventos sociais e as ações alheias e, assim, regular a nossa própria conduta com relação aos outros indivíduos. A linguagem é o meio através do qual a dimensão epistemológica se constitui, pois é a linguagem que determina uma forma específica de classificar os objetos e lhe atribuir significados.

Ao considerar a dimensão substantiva com relação à sociedade vigente e ao panorama da cultura digital, tem-se o destaque para as transformações ocorridas, tanto nas esferas econômica e industrial como na esfera sociocultural, dados os novos domínios tecnológicos e a ascensão das tecnologias da informação e da comunicação. Tem-se como fruto uma força de mudança histórica global, com foco nas transformações culturais do cotidiano, em especial com relação às identidades pessoais e sociais.

Por outro lado, alguns autores, como Costa et al. (2003, apud HEINSFELD, 2017, p. 6), consideram que a dimensão epistemológica diz respeito ao que chamam de “virada cultural”. A virada cultural refere-se ao poder instituidor dos discursos culturais, sendo esses discursos – como os programas de TV, canais do Youtube, bandas de música ou manifestações artísticas – não apenas artefatos produtivos, mas práticas de representação, criadoras de sentidos. Nessa perspectiva, considerando o panorama sociocultural vigente, amplia-se também o conceito de realidade, indo além das ideias de espaço, tempo e lugar estáveis. A realidade, desde sempre mediada pela linguagem e os códigos criados por ela, é hoje mediada também pelas culturas e pelas linguagens das mídias. Explica Hall (1997, p. 5, apud HEINSFELD, 2017, p. 7):

A cultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro de nossos lares através dos esportes e das revistas esportivas [...]. Elas mostram uma curiosa nostalgia em relação a uma comunidade imaginada, na verdade, uma nostalgia das culturas vividas de importantes locais que foram profundamente transformadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica e pelo declínio industrial. 

Isso é ainda mais evidente com o advento das tecnologias da informação e da comunicação e dos mundos virtuais que são criados por elas. Conforme Bannell et al. (2016, apud HEINSFELD, 2017, p. 7), os ambientes virtuais caracterizam um novo significado da presença do sujeito, abrindo espaço para sensações, experiências e possibilidades inéditas, e para novas formas de aprendizagem.

É inevitável que essas mudanças tenham também um impacto na dimensão pedagógica de uma sociedade. Pensando no protagonismo juvenil no ambiente escolar, Naumann (2016, p. 26, apud HEINSFELD, 2017, p. 7) propõe três aspectos da cultura digital que devem ser levados em consideração nas práticas pedagógicas: “(i) a possibilidade da autoria como produção própria de conhecimento; (ii) a oportunidade de acesso à informação e de elaboração autoral dos conteúdos acessados, como forma de participação e protagonismo; (iii) a autoria como inclusão digital”. Segundo Costa et al. (2003, apud HEINSFELD, 2017, p. 7), os Estudos Culturais podem auxiliar no entendimento das mudanças em campo pedagógico, oportunizando uma ressignificação de questões como identidade, discurso e representação, que passam a ocupar o primeiro plano, e também na extensão das noções de educação, pedagogia e currículo para além do ambiente escolar. Entende-se que a perspectiva apresentada pelos Estudos Culturais pode ser muito interessante para a reflexão acerca dos novos panoramas educacionais do século XXI e seus iminentes desafios. 

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